Boletim Técnico nº 01/2020 – 05/03/2020
Sem transtornos na superfície
Facilitadores em obras de infraestrutura subterrânea, os Métodos Não Destrutivos ganham espaço na instalação e substituição de redes de gás, telecomunicações, energia e saneamento.
Por Melina Fogaça
Atualmente, um dos principais problemas nas metrópoles é a disputa por espaço. Sob o ponto de vista da engenharia, uma malha infindável de carros, ônibus, linhas de metrô, pedestres, prédios de escritórios, centros comerciais e outros elementos da paisagem urbana dificultam sobremaneira a realização das obras, especialmente nos espaços subterrâneos das grandes cidades.
É dessa maneira que o Método Não Destrutivo (MND) – que consiste em técnicas de operacionalização de redes subterrâneas sem a necessidade de aberturas de valas – é uma alternativa que vem ganhando terreno no mundo da construção, podendo ser dividida em dois segmentos. “O MND permite o assentamento de novas tubulações e recuperação de tubulações existentes com o mínimo de transtorno à população”, adianta Helio Rosas, presidente da Associação Brasileira de Tecnologias Não Destrutivas (Abratt), entidade vinculada à International Society of Trenchless Technology (ISTT), com sede em Londres.
Segundo o dirigente, o primeiro segmento consiste em um conjunto de técnicas para implantação ou ampliação de infraestrutura. Já o segundo segmento é composto por técnicas para a renovação ou reabilitação da infraestrutura existente. “Neste caso, as tubulações subterrâneas existentes são renovadas, estendendo-se a sua vida útil”, comenta Rosas.
As principais técnicas que compõem o primeiro grupo incluem Pipe Jacking, microtúnel (Microtunneling) e furo direcional horizontal (Horizontal Directional Drilling) – conhecido como HDD. O HDD, inclusive, tem sido bastante utilizado para a instalação de dutos elétricos e de telefonia, além de cabos de fibra ótica para dados, tubulações de gás, óleo, água e esgoto. “Já as técnicas Microtunneling e Pipe Jacking são utilizadas para escavação de túneis de passagem e assentamento de tubulações cujo fluido é transportado em regime de gravidade”, completa Rosas. “Além dessas, outras técnicas já utilizadas com sucesso no Brasil incluem a cravação de tubo por percussão (Impact Moling) e perfuração horizontal com rosca sem fim (Horizontal Auger Boring).”
Já o segundo segmento é composto por diversos outros conceitos, denominados “métodos de recuperação não destrutivos” e que abrangem todos os métodos de reparo, reabilitação e/ou substituição de um sistema de tubulação pré-existente, alguns em franco crescimento no Brasil na atualidade, como a inserção de tubos (Sliplining), tubulação deformada (Close-Fit Pipe ou Close-Fit-Lining), tubulação curada no local (Cured-in-Place Pipe), revestimento por aspersão (Spray Lining), reparo localizado (Localized Repair) e inserção de tudo por arrebentamento (Pipe Bursting), dentre outras.
▲Baixo transtorno em torno da obra e mão de obra reduzida estão entre as vantagens do MND.
APLICAÇÃO
De acordo com Jorge Dequech, diretor da Sondeq, as técnicas mais utilizadas no Brasil incluem a perfuração por percussão (“tatuzinho”), a perfuração direcional horizontal e a substituição de tubulações por arrebentamento, que são aplicadas em obras diversas, desde a execução de ramais e ligações de água e gás, até travessias de vias públicas, rodovias e linhas férreas, passando ainda pela execução de redes paralelas às vias públicas, rodovias e grandes cruzamentos de rios e canais, dentre outras. “No Brasil, o MND é utilizado principalmente em obras de fás natural e telefomunicações”, posiciona. “Porém, cada vez mais a técnica está sendo aplicada em obras de energia elétrica e saneamento”, diz ele.
E, evidentemente, esse avanço tem uma explicação técnica. Afinal, em relação a outras práticas o MND oferece vantagens como tempo de execução sensivelmente menor e necessidade reduzida de mão de obra. “A técnica também dispensa escoramentos e minimiza consideravelmente as reposições, causando menos transtorno em torno da obra”, pontua o especialista da Innovação Infratech, Renato Henriques.
Nessa linha, a técnica de Pipe Bursting é uma das que vêm ganhando mais espaço no país. Essa técnica, como ressalta o gerente da Vermeer Brasil, Flávio Leite, consiste em um método não destrutivo de substituição de tubulações danificadas ou subdimensionadas em PVC ou cerâmica por tubulações em PEAD (Polietileno de Alta Densidade) – de igual diâmetro ou mesmo superior, utilizando a rede pré-existente como trajeto. “Essa técnica pode ser feita com equipamentos hidráulicos, pneumáticos ou perfuratrizes horizontais direcionadas”, afirma o especialista.
Essa técnica foi desenvolvida na Inglaterra na décadas de 1980, especificamente para a troca de redes de distribuição de gás. Atualmente, também é utilizada para a troca de tubulações de redes de água, esgoto e efluentes industriais. Segundo Henriques, uma rede com capacidade inadequada – ou cuja situação estrutural não permita a recuperação – pode ser substituída sem escavações, usando-se um sistema de substituição por arrebentamento, por exemplo. “O método de arrebentamento de tubos também é chamado de Pipe Cracking, ou fragmentação de tubos”, explica.
Assim, a instalação da nova tubulação é feita com após a destruição da tubulação já existente. Nesse caso, os fragmentos da tubulação substituída permanecem no solo, ao redor da nova tubulação instalada. “A maioria das técnicas e ferramentas é limitada à substituição de tubos de materiais quebradiços, como ferro fundido, cerâmica, concreto não armado, cimento, amianto etc.”, descreve Henriques. “Mas já é possível usar o método também para tubulações em materiais dúcteis, inclusive de aço.”
▲Pipelocator permite localizar tubos e cabos enterrados, realizando a leitura da profundidade e orientação da tubulação.
CONDIÇÕES
De acordo com Henriques, eles são religados à nova rede posteriormente, normalmente por uma pequena escavação. “A quantidade e frequência de ligações são fatores que influenciam bastante a viabilidade econômica do método por arrebentamento”, complementa.
De forma geral, existem dois métodos de Pipe Bursting: o dinâmico e o estático. No dinâmico, explica Henriques, a tubulação a ser substituída é quebrada pelo equipamento, que atua com uma espécie de martelo percussivo acoplado à ferramenta de quebra/corte. Nesse caso, o deslocamento da ferramenta e o controle da força de ataque são auxiliados pelo uso de um guincho de arraste. “Por conta dos efeitos da força da percussão, a distância para outras tubulações próximas ao procedimento deve se de duas a três vezes o diâmetro do tudo a ser substituído”, orienta.
Já no método estático, Henriques conta que a força hidráulica do equipamento é transmitida diretamente à ferramenta de quebra/corte por um conjunto de hastes especiais. Assim, tanto a ferramenta quanto a tubulação a ser instalada são puxadas diretamente da bobina de transporte. “Por não utilizar força percussiva, não há necessidade de atenção especial com as redes adjacentes”, complementa.
INTERFERÊNCIAS
Mas o MND tem lá seus traquejos. Como ressalta Leite, da Vermeer, o uso da técnica também exige que se faça um mapeamento detalhado das interferências existentes no subsolo, bem como uma análise destas interferências para confirmação das informações coletadas com pipelocators ou georadares.
A metodologia GeoRadar, por exemplo, é uma técnica de coleta não destrutiva que viabiliza o cadastro de elementos situados no subsolo em área edificadas ou industrializadas. Feita antecipadamente à obra, a técnica evita riscos causados pela perfuração de reservatórios enterrados, tubulações ou estruturas de contenção, evitando atrasos e retrabalho nos projetos em decorrência de imprevistos ocultos no subsolo. “Seu alcance médio em profundidade pode chegar a mais de 30m e depende, principalmente, da frequência e amplitude da fonte emissora do radar, da resolução desejada, da conformação geológica e do nível e propriedades do lençol freático, dentre outros fatores”, descreve Henriques.
O pipelocator também atua nessa função, permitindo localizar tubos e cabos metálicos enterrados, realizar leitura da profundidade e orientação da tubulação. No entanto, Rosas, da Abratt, explica que – apesar da precisão dessas tecnologias para mapeamento do solo – “a falta de um cadastro das interferências subterrâneas impede que a técnica se estabeleça de forma mais definitiva no país.”
Segundo Paulo Dequech, também diretor da Sondeq, na cidade de São Paulo esse trabalho de mapeamento está atualmente sendo desenvolvido pela prefeitura, “mas cada concessionária tem seus próprios registros, que são a fonte para planejamento da trajetória do novo serviço de MND”. Desse modo, Henriques acresce que é preciso “buscar separadamente os cadastros juntos às concessionárias de utilidades públicas, o que implica um processo lento e rudimentar”.
Nos Estados Unidos, compara Dequech, em vários estados existe o serviço One-Call 81, que orienta os interessados em realizar escavações. Em poucos dias, a central envia as informações de cadastro existente ou uma equipe de mapeamento ao local. “É um serviço pago, mas eficiente, tanto que já existe há mais de 30 anos”, comenta.
Outro problema que o MND ainda enfrenta, especialmente no Brasil, está relacionado à cultura de aplicação, pois o contratante sempre tende a fazer o usual, vendo com reservas quaisquer técnicas novas que surjam no setor. É por isso que a Abratt tem feito um insistente trabalho para difundir a técnica. “Nosso esforço tem valido a pena, pois o MND tem mostrado nítidos sinais de avanço”, comenta Rosas. “Em alguns casos, como na cidade de São Paulo, a licença para abertura de vala nos logradouros públicos – denominada TPOV (Termo de Permissão para Ocupação da Via) – somente é concedida se a técnica utilizada for de MND”, arremata.
Fonte: Revista M&T – nº 237 – pg. 55
Saiba mais:
Abratt: www.abratt.org.br
Inovação Infratech: innovacaoinfra.com.br
Sondeq: www.sondeq.com.br
Vermeer: vermeerbrasil.com