Boletim Técnico nº 02/2020 – 06/06/2020

Os impactos da pandemia

Com estragos imediatos na economia, resta saber como será o ritmo da recuperação do país, que discute como turbinar os investimentos em infraestrutura para se reerguer o quanto antes.

Por Marcelo Januário, editor

Quando ainda buscava se recuperar da maior crise de sua história no país, o setor da construção – incluindo construtoras, distribuidoras, locadoras e fabricantes de equipamentos – se vê novamente frente a um desafio de proporções imprevisíveis. Porém, mesmo que a extensão da crise ainda seja in- calculável, já é possível vislumbrar seu estrago imediato, assim como traçar cenários após o término da contaminação em massa pela Covid-19. É esse exercício que o leitor encontrará neste especial da Revista M&T composto por três reportagens.

Desde a saída, é dado como certo que o país mergulhará em um quadro de recessão econômica, ao menos no 1º se- mestre. Os sinais já são perceptíveis, com dólar em disparada, bolsas despencando e lojas fechadas, temporária ou definitivamente. “A questão agora é saber em quem momento, ao longo do 2º semestre, vamos começar a recuperação”, pontua o jornalista e economista Luís Artur Nogueira. “Porque ela virá, mas não sabemos se em forma de V ou em L, em que cai e fica meio lateral durante um tempo.”


Para o especialista, o país irá sentir saudades dos ‘pibinhos’, quando o crescimento foi em torno de 1%. Segundo o Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap/FGV), no 1º trimestre a retração do PIB deve ter sido de 2,1%. “Para termos uma estagnação econômica, precisaria acontecer um milagre, surgir um remédio salvador que permita a volta imediata ao trabalho”, avalia. “Não é impossível, mas não é o mais provável.”.

Segundo Nogueira, o mais provável é que o encolhimento fique na faixa de -2% a -6%, com mediana de -4%. Já a inflação, pelas projeções do economista, deve ficar em torno de 2,5%, pois não há demanda, enquanto deve haver oscilação em indicadores como dólar (R$ 4,50 a R$ 5,50), produção industrial (-1% a -7%), varejo (-3% a +1%), crédito (+5% a +10%), investimento estrangeiro (US$ 50 a 80 bilhões) e balança comercial (US$ 30 a 50 bilhões), além da dívida pública, que deve saltar de 75% para 90% do PIB. “Há espaço para cortes nos juros, atualmente em 3,75%, embora o desemprego deva crescer em 15%, sem considerar subempregados, ‘desalentados’ e informais”, opina.

Para tanto, aduz Nogueira, será necessário que ao longo de maio os estados promovam a volta ao trabalho de forma gradual em alguns setores, com a vida ‘normal’ – com todas as atividades – retornando a partir de agosto. “Isso deve ser feito com responsabilidade, com menos pessoas no transporte público e refeitórios, uso de máscaras, álcool gel e distanciamento social”, adverte. “Não existe embate entre economia e saúde, pois precisamos das duas coisas.”.

Injeção

Neste cenário nebuloso, Nogueira acredita que não haverá recuperação se a pandemia ‘matar’ o setor produtivo e ‘quebrar’ os consumidores. “Quanto mais eficiente for o trabalho da equipe econômica em injetar dinheiro na economia e blindar empresas e consumidores, mais rápida será a retomada”, diz. “Se isso for feito, é possível preparar 2021 para crescer em torno de 3%.”.

Até abril, ele ressalta, o governo já havia injetado R$ 750 bilhões em termos fiscais, incluindo a antecipação de gastos. Na área monetária, o Banco Central tomou medidas de crédito e liberação de depósitos compulsórios que totalizam R$ 1,2 trilhão, ou dez vezes mais do que foi injetado na crise de 2008. “Isso mostra o tamanho da crise atual”, diz o economista.

As medidas incluíram redução de juros, oferta de carência e linhas de financiamento via BNDES com foco em pequenas empresas, além de possibilidade de redução de jornada de trabalho e salários (com o governo recompondo parte das perdas por meio do seguro-desemprego), adiamento do recolhimento do FGTS, aumento da abrangência do Bolsa Família, antecipação do 13º salário para apo- sentados e auxílio emergencial aos informais, que chegará a 60 milhões de pessoas no país. “Contudo, o governo precisa acelerar a transmissão até a ponta, seja com dinheiro público ou linhas de crédito”, avalia Nogueira. “Também precisa encontrar uma forma de conceder crédito sem pedir garantia para pequenas empresas, que estão quebradas e não têm qualquer garantia para oferecer.”.

De acordo com o economista, o tesouro nacional tem a obrigação de garantir essas operações. “O governo federal precisa turbinar urgentemente os investimentos em infraestrutura e estimular uma união política nacional com discurso de previsibilidade”, afirma. “Inclusive, é dever do governo socorrer prefeitos e governadores, pois é o único ente que pode aumentar sua dívida por meio da emissão de títulos públicos.”.

Em abril, a Caixa Econômica Federal anunciou R$ 43 bilhões para apoiar o setor da construção, na forma de antecipação de 20% dos recursos para obras e carência de seis meses na contratação de novos empréstimos, desde que não demitam funcionários. Por outro lado, o BNDES já avisou que as construtoras ficarão de fora da lista de setores que receberão o socorro de bilhões de reais debatido junto aos maiores bancos do país.

Outro efeito da crise foi o engavetamento da agenda de reformas, temporariamente congelada. Na área de saneamento, por exemplo, o BNDES já adiou para 2021 parte dos leilões marcados para este ano, exceto as li- citações previstas em Alagoas e no Rio de Janeiro. “A prioridade agora é votar pacote emergencial”, ressalta o economista.

No entanto, o governo já sente a queda abrupta da arrecadação e, segundo Nogueira, em algum momento a sociedade terá de pagar a conta dessa injeção de dinheiro nunca antes vista na economia. “A conta vai ser paga seja através de inflação, juros ou impostos”, afirma. “Na verdade, eu prevejo as três coisas juntas.”.


Construção

Liberada de restrições na maior parte dos estados, nem por isso a construção passa imune aos efeitos da pandemia. Para o setor, o maior desafio é o risco de inadimplência, com as empresas pressionadas. “É importante renegociar valores, prazos e taxas, pois não é do interesse de ninguém que o cliente quebre”, comenta Nogueira, que vê outro perigo iminente na liberação cada vez maior do FGTS, um importante funding do setor. “Se o governo secar o FGTS, a pergunta é quem vai financiar o setor imobiliário”, observa.

De acordo com o especialista, o setor imobiliário vinha em recuperação nos últimos meses, com lançamentos e recordes de vendas em 2019. “Graças a esses lançamentos que temos obras atualmente”, diz. “Mas a incerteza paralisa novos lançamentos, embora – se não houver uma segunda onda de contaminação – tenda a ser uma crise curta, com início, meio e fim.”.

Do ponto de vista do comprador, há outros pontos que ajudam, como o crédito imobiliário, que nunca esteve tão barato, assim como a facilidade de renegociar taxas com os bancos. “Já em relação ao Minha Casa Minha Vida, o governo está devendo o relançamento com vigor do programa, que ficou esquecido”, cobra Nogueira. “Há muitas construtoras e locadoras que atuam nesse nicho.”.

Na construção pesada, o cenário é diferente. Sem apresentar recuperação consistente, o setor teve um respiro com a leva de concessões no governo Temer, que deixou outra rodada pronta que o atual governo fez no início de 2019. “Mas faz praticamente um ano que não temos nenhuma nova licitação relevante”, questiona Nogueira, destacando a demora no lançamento dos editais de concessões.

Além disso, o Ministério da Infraestrutura contava neste ano com apenas R$ 6 bilhões para investimento público em 54 obras. Em meados de abril, o ministro Tarcísio de Freitas pediu ao Ministério da Economia mais R$ 30 bilhões, para que outras 70 obras públicas pudessem ser retomadas com urgência.

A solicitação foi materializada no plano Pró-Brasil (leia Box), que pretende gerar cerca de 1 milhão de empregos nos próximos 12 meses por meio da execução de obras em andamento e programadas. “A saída da crise no Brasil passa pela infraestrutura”, sublinha o economista. “Isso vai significar alguma obra ao longo do ano que vem, fazendo o setor girar depois de 12 ou 18 meses, pois há toda uma burocracia.”.

O economista defende os investimentos públicos no setor, sem os quais – segundo ele – o setor privado não virá junto. “Não é razoável cobrar responsabilidade fiscal nesse momento”, diz ele, acrescentando ainda que é necessário mudar as premissas na modelagem das concessões, como as estimativas do volume de veículos que usarão uma rodovia, por exemplo. “Também vai ter de fazer concessão com ajuda do BNDES e hedge cambial, pois o investidor estrangeiro não vai aceitar entrar em um investimento com o câmbio igual a uma montanha–russa, que demais representa custos para a compra de máquinas.”.


▲Pipelocator permite localizar tubos e cabos enterrados, realizando a leitura da profundidade e orientação da tubulação.


Rental

No rental, algumas entidades buscam traçar o cenário global enfrentado pelo setor, que tem faturamento anual de US$ 110 bilhões, reunindo cerca de 45 mil empresas que geram 500 mil empregos diretos. Mas ainda não há um quadro formado. “Esse é um mercado que tem certo delay, no sentido de começar a sentir os reflexos da crise”, reconhece Paulo Carvalho, membro da Global Rental Alliance (GRA), associação que agrega entidades de todo o mundo. “Nos EUA, a American Rental Association (ARA) já tem feito pesquisas semanais sobre a perda de contratos, situação das frotas e baixas na mão de obra no setor.”.

No Brasil, é possível aferir parcial- mente como o rental tem enfrentado a crise por meio do Sindileq (Sindicato das Empresas Locadoras de Equipamentos, Máquinas e Ferramentas), por exemplo, que tem atuação em diversos estados. Segundo José Antônio Miranda Carvalho, presidente do Sindileq/MG, a construção mineira em momento algum parou suas atividades, mantendo os cronogramas das obras, algumas inclusive começando. “Com os clientes em atividade, a locação também não parou de trabalhar, mas com quadros reduzidos e tomando medidas de segurança”, diz.

No Rio de Janeiro, mesmo sem parar as obras, a construção teve perceptível redução com o impacto na mobilidade. “As locadoras funcionam de portas fechadas, com atendimento a delivery”, relata Sebastião Rentes, presidente do Sindileq/RJ. “Atendem às exigências das autoridades de saúde, mas estão ansiosas à procura dos benefícios do governo, que apresentam certa demora.”.

Mais complexa é a situação do Ceará que, junto a Pernambuco, foi um dos poucos estados em que a construção de fato parou. De acordo com Fábio Cavalcanti, presidente do Sindileq/CE, desde 19 de março o setor estava sem operar em obras privadas no estado, sendo permitidas apenas obras emergenciais de pequena escala. “O pessoal da construção tinha um protocolo de ações nos canteiros e se comprometeu a sanar o problema do transporte e proteção dos trabalhadores”, explica. “E o governo até chegou a liberar a atividade, mas voltou atrás.”.

Em São Paulo, segundo dados da Apelmat (Associação Paulista dos Empreiteiros e Locadores de Máquinas de Terraplenagem, Ar Comprimido, Hidráulico e Equipamentos de Construção Civil), praticamente 80% das obras estavam em situação normal em abril, mantendo as atividades dos locadores. “Algumas obras dispensaram equipamentos, o que pode atingir de 10% a 50% dos equipamentos locados nessa faixa de em- presas”, posiciona Flávio Figueiredo, presidente da entidade. “Além disso, o lockdown trouxe uma pressão muito grande, com os locadores reduzindo despesas com aquisições de máquinas e serviços de manutenção, preocupados com o que vai acontecer.”.

Em âmbito nacional, o presidente da Abrasfe (Associação Brasileira de Fôrmas, Escoramentos e Acesso), Alexandre Pandolfo, estima que 85% das obras de edificações não foram paralisadas, com as empresas atuando em regime de contingência. “Contudo, já houve redução na velocidade das vendas dos empreendimentos”, pontua.

Com um foco mais conjuntural, o presidente da Alec (Associação Brasileiras das Empresas Locadoras de Bens Móveis), Alexandre Forjaz, diz ser necessário deter a desindustrialização do país e o sucateamento do maquinário, fatores que vêm afetando o rental nos últimos anos. “Já não temos indústria e estamos nas mãos das fábricas de fora, pois, a maioria dos insumos é importada”, afirma. “A bola está com o governo agora, pois somos o elo mais fraco da corrente e estamos no meio do fogo cruzado.”.


Fonte: Revista M&T – Mercado e Tecnologia Edição 243 – 05/2020



Saiba mais:


Analoc: https://analoc.org.br
Luiz Artur Nogueira: http://luisarturnogueira.com.br
Ministério da Infraestrutura: www.infraestrutura.gov.br
Sobratema: www.sobratema.org.br