Inclusão profissional nº 29/2020 – 27/07/2020

LEI DE COTAS COMPLETA 29 ANOS COM O DESAFIO DA COVID-19

Crise econômica e desemprego no Brasil ameaçam os direitos da pessoa com deficiência

Para conhecer melhor a Lei de Cotas, o QUARENTENA NEWS conversou com José Carlos do Carmo, mais conhecido como Kal. Médico, ele é auditor-fiscal e Coordenador Estadual do Projeto de Inclusão da Pessoa com Deficiência no Mercado de Trabalho Formal da SRTE/SP.

QUARENTENA NEWS: Por que precisamos de uma Lei de Cotas para garantir o direito ao trabalho para as Pessoas com Deficiência? Em 29 anos da sua criação, quais as principais conquistas e os maiores desafios a serem enfrentados, lembrando a sua abrangência nacional e comparando ao estado de São Paulo?

KAL: A Lei de Cotas é uma ferramenta indispensável para garantir um direito fundamental de cidadania, que está previsto na própria Constituição Federal, mas ainda enfrenta grandes barreiras, particularmente o preconceito. Embora tenhamos problemas, estamos muito melhor do que há dez, 15 anos, pois graças à existência da Lei de Cotas temos garantido as contratações. É preciso divulgá-la, assim como o direito ao trabalho para as pessoas com deficiência.

Ao analisarmos os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), percebemos que mais de 90% das contratações de pessoas com deficiência, com registro em carteira, foram feitas por empresas que precisam cumprir a legislação, ainda que elas não sejam responsáveis por esse mesmo percentual quanto ao total do numero de vagas oferecidas. Curiosamente, são as pequenas empresas (com menos de cem empregados) que oferecem a maioria das possibilidades de emprego. Em 2108, tínhamos metade das vagas previstas pela cota preenchidas e embora gostaríamos que esse número fosse muito maior, a presença de cerca de 400 mil pessoas com deficiência no mercado de trabalho mudou a realidade nacional. O reflexo dessas contratações é a inclusão social das pessoas com deficiência na condição de consumidoras, um fato extremamente positivo.

Do total de vagas previstas pela Lei de Cotas, 52% do total de foram preenchidas no Brasil, e o Estado de São Paulo responde por cerca de 42% dentre elas (empresas locais ou com matrizes sediados no estado). O que mostra a importância de São Paulo, do ponto de vista quantitativo, embora o estado responda por apenas 39% das vagas. Em todo o país, 8.664 empresas cumpriram a Lei de Cotas, sendo 2.274 em São Paulo (26%). Número que talvez possa ser justificado pelo fato de que o número de auditores fiscais no Estado de São Paulo ser proporcionalmente menor do que nas outras unidades da federação. Considerando o total de empresas que precisavam preencher a cota, tínhamos em 2018, no Brasil, 34.980 empresas e em São Paulo, 12.135, representando 35% do total.

Chamo a atenção para a importância da fiscalização. Se a Lei de Cotas não for fiscalizada e se as empresas não forem pressionadas, elas não cumprirão com a obrigação legal.

QN: Em sua opinião, como cidadão, médico e auditor-fiscal, a sociedade brasileira é includente ou excludente? O que seria preciso para dar mais visibilidade à Lei Brasileira de Inclusão e à Lei de Cotas e, consequentemente, maior participação social da pessoa com deficiência?

KAL: Eu acho que ainda há um forte capacitismo em relação à Pessoa com Deficiência. É uma palavra relativamente nova, que tem sido usada a exemplo de racismo e do machismo para caracterizar a discriminação. Parte-se da visão preconceituosa de que elas não teriam capacidade e uma parcela da sociedade ainda vê a deficiência sem ser capaz de enxergar o conjunto.

Assim como qualquer outra, a pessoa com deficiência é feita de diferentes características, positivas e negativas. Nesse sentido, ainda que a sociedade possa ser generosa sobre diferentes aspectos, acredito que em relação à pessoa com deficiência predomina o sentimento de caridade e a visão de pena ou de admiração pela superação. Muitos não conseguem identificar que a deficiência decorre das pelas barreiras impostas pelo meio social onde as pessoas estão inseridas.

Para dar mais visibilidade e ressaltar a importância da Lei Brasileira de Inclusão (13.146/15) é importante destacar que ela foi capaz de resgatar com bastante sucesso para a legislação ordinária do nosso país todos os preceitos que a aparecem na Convenção Universal dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Colocando, bem claramente, que a sociedade é responsável pela deficiência, uma vez que a deficiência decorre das barreiras existentes e as barreiras são de responsabilidade da sociedade como um todo.

QN: Quais os principais impactos da #covid-19 para o trabalhador com deficiência?

KAL: Eu acredito que pelo fato de que não se conseguiu fazer uma política adequada em nosso país de isolamento social, que é a principal medida a ser tomada para a prevenção dos danos, inclusive econômicos com relação a Covid-19, os trabalhadores sofrerão muito por conta do desemprego e dificuldades que terão para sua inserção e reinserção no mercado de trabalho. Houve uma série de demissões e pensando particularmente no trabalhador com deficiência o temor que eu tenho é que, como já aconteceu em outras situações de crise econômica, as empresas priorizem, quando forem demitir os seus empregados, a demissão dos trabalhadores com deficiência.

Temos de ter uma preocupação muito grande, também, com a questão do trabalho remoto, o home-office como é chamado, em nosso país. É um recurso importante, que pode inclusive auxiliar bastante o trabalho das pessoas com deficiência, mas que não pode ser encarado como a única maneira de se fazer a inserção do trabalho. Sob pena de que, com a justificativa de facilitar a vida do trabalhador com deficiência, as empresas passem a buscar contratá-las, mas deixando-as nas suas casas e sem garantir o que é talvez o principal objetivo da Lei de Cotas: a inclusão social da pessoa com deficiência. As empresas, dessa maneira, se vendo como que desobrigadas a cumprirem com as suas obrigações no que se refere a melhoria das condições de acessibilidade.

CONHEÇA OS NÚMEROS:

– 45 milhões de brasileiros auto-declararam ter algum tipo de deficiência (Censo 2020);

– cerca de 31 milhões de pessoas com deficiência têm idade laboral;

– 380 mil vagas destinadas à pessoa com deficiência, pela Lei de Cotas, não foram preenchidas (Rais 2018);

– Milhares de trabalhadores com deficiência foram demitidos, sem justa-causa, durante o isolamento social, em decorrência da pandemia de #covid-19.

Fonte: Adriana do Amaral – Correspondente Quarentena News