Boletim Técnico nº 04/2020 – 03/12/2020

Patrulha ajustada ao projeto

Além de estudos topográficos, geotécnicos, logísticos e climáticos, o dimensionamento de frota é essencial para atender à demanda de remoção de material em terraplenagem.

Ao contrário do que muitos podem pensar, as obras de terraplenagem não se resumem à escavação e ao transporte de material, pois a atividade – base do processo construtivo – é condicionada por uma série de fatores que vão muito além do uso das máquinas e antecedem a execução da obra, tais como condições climáticas, diretrizes operacionais, sondagens de terreno, estudos geotécnicos, topografia, logística e licenciamento.

Somente após esses fatores serem atendidos é que ocorre o planejamento sobre o tipo e quantidade de equipamentos que serão utilizados na movimentação de terra propriamente dita. Grosso modo, o dimensionamento da frota em terraplenagem é feito com base na demanda de escavação gerada pela remoção de material no aterro, que na prática estipula o volume de produção nas frentes de trabalho e estabelece os elementos para mobilização da frota, que o segmento tradicionalmente chama de ‘patrulha’.

Planejamento em terraplenagem requer análise entre o porte da escavadeira e a capacidade do caminhão

CICLO

O ideal, diz ele, é que a escavadeira encha a caçamba do veículo com quatro ou seis passes. “Para se alcançar um padrão elevado de produtividade, é necessário planejar uma logística que evite filas no carregamento dos caminhões”, explica Hauck. De acordo com ele, o tempo que um caminhão leva para manobrar, carregar e sair é o que define o ciclo de trabalho da escavadeira, que neste caso é calculado em 120 seg. “Se levar 10 min para se deslocar até o ponto de descarregamento, bascular o material e retornar, gasta mais 600 s, somando-se um tempo de 720 s”, ele prossegue. “Para saber a quantidade ideal de caminhões e evitar filas na praça de carregamento, a conta é simples: basta somar o tempo do ciclo de carregamento da escavadeira ao tempo de deslocamento do caminhão e dividir pelo tempo de ciclo de carregamento. ” No exemplo citado, basta dividir 720 por 120, resultando assim na necessidade do uso de seis caminhões. Contudo, para que os objetivos sejam alcançados é necessário seguir o parâmetro ideal de carregamento (de quatro a seis caçambadas), além de preparar o caminhão para receber o tombo do material na caçamba.

Segundo Paulo Alcaide, diretor da Seixo Terraplanagem e Construções, o dimensionamento correto dos equipamentos é fundamental para o êxito do trabalho nessa área. “Uma fila de caminhões parados por falta de máquinas para o carregamento é prejuízo na certa”, adverte. “Por outro lado, exagerar nos equipamentos de carregamento pode gerar um custo extra, com igual risco de prejuízo. ”

Vale ressaltar que, em obras de terraplenagem, o material escavado pode ser removido para outras destinações fora do projeto ou utilizado dentro do próprio canteiro, para recompor aterros, platôs, taludes ou especificar o corte com aterro compensado. Quando aproveitado na própria obra, requer transporte, espalhamento, compactação e ajuste da topografia final.

Contudo, se o terreno onde a obra acontece for composto por silt, por exemplo, a compactação exigirá um ‘empréstimo’ de argila ou de outro material que melhore o confinamento do terreno. “Tudo depende do projeto, do aterro e de suas configurações, alturas e proteções laterais, entre outros aspectos”, destaca José Antonio Spinassé, diretor da Luna Locações e Transportes. “Afinal, existem diferentes alternativas técnicas. ”

PLANEJAMENTO

De acordo com Spinassé, diferentes aspectos logísticos precisam ser considerados no projeto, incluindo localização, itinerário a ser percorrido pelos caminhões, abastecimento, garagem de estacionamento e alojamento para as equipes de trabalho. “É preciso pensar, inclusive, nos deslocamentos das pessoas para acessar a obra, assim como nas restrições de circulação de veículos, para evitar multas”, sublinha.

Em seguida, é necessário avaliar as questões relacionadas à documentação e licenças ambientais para a execução do trabalho, além de verificar se o alvará de execução foi obtido pela contratante. Esse cuidado é fundamental, pois, uma vez que os equipamentos são postos para trabalhar, a obra pode ser embargada se houver problemas com a fiscalização.

No memorial descritivo, busca-se definir todas as diretrizes operacionais do trabalho e o prazo estabelecido para todas as etapas. Esse documento contém todo o traçado das fases e funciona de maneira similar a um projeto executivo. “O empresário de terraplenagem deve analisar a parte que lhe cabe nesse memorial, averiguando suas necessidades e seguindo as especificações do projeto, para não prejudicar o andamento e o cronograma da obra”, observa Spinassé.

Para Wanderley Cursino Correia, diretor da Rentalmais, os estudos preliminares do solo e as investigações geotécnicas são essenciais na etapa que antecede a obra. “Além de um estudo da topografia do terreno, as sondagens e ensaios sobre o tipo de material a ser trabalhado são cruciais para evitar problemas na escavação, despesas extras e dores de cabeça no decorrer da obra”, ele orienta.

Tudo isso permite evitar surpresas como ocorreu nas obras do Rodoanel (SP), onde a terraplenagem se deparou com rochas de diferentes tamanhos e características. Embora as escavações cheguem à cota topográfica que o projeto exige, dependendo da rocha podem surgir impedimentos. Contudo, o empreiteiro pode especificar em contrato que, caso haja ocorrência de rochas nas escavações, o custo não estará englobado e será feito um adendo relativo ao tipo de exploração suplementar necessário, como desmonte de rocha.

Após essa etapa, os trabalhos operacionais têm início com a limpeza da área onde a obra será realizada, incluindo eventual remoção de vegetação e destocagem de raízes, com posterior encaminhamento a locais previamente determinados pelos órgãos ambientais. Tudo isso, é bom ressaltar, deve ser previsto em estudos compensatórios e mitigatórios realizados pela contratante, que devem ser seguidos pelo prestador.

Material escavado pode ser removido ou utilizado dentro do próprio canteiro

PATRULHA

No que tange à frota, os tratores de esteira são os primeiros a entrar na obra, essencialmente para remover a vegetação e abrir caminho para o restante da patrulha. “Após a limpeza da área, é feita a demarcação e são definidos os gabaritos, com as cotas a serem obedecidas com base nas especificações de topografia”, detalha Correia. “A partir daí, começa o trabalho de corte, carregamento e transporte do terreno escavado.”

Em seguida, mas não necessariamente nessa ordem, a depender do projeto, chegam as motoniveladoras e os rolos compactadores, para nivelar e compactar o subleito da obra. As escavadeiras e retroescavadeiras são necessárias para escavação, execução de taludes, drenagens etc. As retroescavadeiras, especificamente, têm participação significativa na operação, pois também auxiliam no transporte de material, em escavações de drenagem e no espalhamento de material (em quantidades menores).

Os caminhões basculantes, por sua vez, são utilizados para o manejo do solo, enquanto os caminhões-pipa mantêm a umidade do terreno e fazem o controle da poeira. “A terraplenagem pode ser executada para diferentes finalidades, como em estrutura rodoviária, obras urbanas, rurais, industriais, loteamentos”, esclarece Spinassé. “E cada uma delas tem um perfil mais apropriado, podendo necessitar de poucos equipamentos ou de uma grande quantidade de máquinas.”

Seja como for, os equipamentos são dimensionados conforme a demanda de produção, capacidade de escavação e carga, pesos operacio nais e largura de corte, entre outras especificações de projeto. De acordo com o serviço, pode ser utilizada uma máquina maior ou mais compacta, a depender do grau de dificuldade da obra. “Às vezes, é preciso usar equipamentos com implementos específicos, como uma escavadeira de braço longo que possa alcançar um talude ou fazer a drenagem em local de difícil acesso”, conta Correia. “Também há situações de desmonte de rocha com rompedor hidráulico ou dinamite, ou até mesmo emprego de trator de esteiras com ripper, para rasgar o solo e facilitar o corte do material.”

O mais importante é que a frota se ajuste à necessidade do projeto. Inclusive, isso pode incluir um equipamento que, embora tenha saído de moda no Brasil, ainda é utilizado em determinadas situações para transportar material em trajetos de 500 m a 600 m de distância: o motoscraper. Trata-se de um trator articulado em que a parte traseira ou caçamba possui uma espécie de lâmina na parte inferior, para fazer a raspagem de solo. E o material retirado segue para dentro da caçamba, ao invés de ser apenas espalhado.

Assim, o equipamento faz o trabalho de três – escavadeira, caminhão e lâmina de espalhamento. “Teoricamente, existe a vantagem de transportar material seco ou de consistência média, embora não seja indicado para o transporte em longas distâncias”, observa Correia. “Além disso, tem capacidade apenas média de carga.”

De acordo com ele, o custo operacional por metro cúbico removido pelo motoscraper é mais baixo, justamente por se utilizar apenas um equipamento para diferentes tarefas. No Brasil, algumas empresas ainda usam essa máquina, embora os modelos normalmente encontrados nas frotas nacionais já estejam tecnologicamente ultrapassados, consumindo elevado volume de combustível para produzir.

Já as escavadeiras continuam entre as máquinas mais requisitadas para trabalhos de terraplenagem, com um leque diversificado de opções. Para obras em perímetro urbano, existem modelos de 13 t que ocupam pouco espaço e são fáceis de transportar. Mas, tradicionalmente, as opções de 20 t a 22 t são empregadas em maior escala pelas empresas que trabalham com terraplenagem.

Em franco desuso no Brasil, motoscraper faz o trabalho de três máquinas

TELEMETRIA

Quando se mede a produção no trabalho das máquinas de terraplenagem, é possível aferir exatamente quais pontos precisam ser melhorados em um ou mais equipamentos. Os dados são capazes de revelar o desempenho produtivo e financeiro para o prestador, mostrando a condição do desenho operacional do projeto e a forma que o equipamento é operado, além de permitir saber se determinado modelo é indicado para o projeto em que está sendo aplicado. Para Correia, da Rentalmais, a telemetria veio para ficar e já deveria ser item de série nos equipamentos, embora atualmente a maior parte das máquinas de grande porte já saia de fábrica com esse recurso. “Essa tecnologia auxilia na gestão de frota, otimiza o aproveitamento dos equipamentos, evita desperdícios de combustível, coíbe fraudes, evita o uso sem autorização e possibilita bônus no valor do seguro”, ele elenca. “Com essa ferramenta, também é possível reduzir custos e monitorar a frota em tempo real, o que leva a crer que, nos próximos anos, todas as máquinas terão esse recurso. ”

Com esses sistemas, os dados podem ser aferidos a partir de um único equipamento. Quando há mais de uma máquina similar na frota, também é possível estabelecer comparativos entre os equipamentos ou operadores. “Mesmo que a empresa possua uma quantidade mínima de máquinas, essa gestão é fundamental, em virtude do enfoque no custo e na produtividade”, observa Correia.

Nesse ponto, Spinassé, da Luna, acrescenta que toda informação é útil e precisa ser analisada. “Hoje, as pás carregadeiras são capazes de registrar a produção diária, possibilitando que as empresas avaliem se estão produtivas ou se necessitam de alguma providência”, comenta. “Em compactação, a possibilidade de aferição eletrônica do trabalho possibilita melhor acompanhamento e maior segurança nos testes laboratoriais. ”

De acordo com o especialista, esse ciclo de informações é uma tendência cada vez mais consolidada no setor. “É um recurso que pode fazer a diferença na prestação de serviços”, arremata Spinassé.

MAPEAMENTO MINIMIZA RISCOS COM IMPREVISTOS

Vários fatores externos podem interferir no andamento de uma obra de terraplenagem, muitos deles imprevisíveis. O diretor da Seixo Terraplanagem e Construções, Paulo Alcaide, reforça que é necessário mapear constantemente as atividades e custos envolvidos na execução da obra. “Estamos falando de uma atividade que depende muito do clima, que, portanto, é um item importante a ser considerado”, pontua. “Quando se tem conhecimento de todas as etapas, pode-se estabelecer um diferencial entre lucro e prejuízo, ainda mais em tempos de alta competitividade e preços reduzidos.”

Nesse sentido, planejar todas as fases da obra permite aproveitar melhor as condições meteorológicas favoráveis. “Uma boa e simples saída é evitar que a etapa de aterros e compactações coincida com a época mais provável de chuvas”, ensina. “Nesse período, a dica é realizar outros serviços, como limpeza da vegetação ou outras tarefas que não sejam tão afetadas pelo clima.”

Indo além, o diretor da Rentalmais, Wanderley Cursino Correia, recomenda precaução antes do início das obras. “É necessário fazer uma pesquisa detalhada não apenas para se precaver de possíveis riscos climáticos, mas também de outras surpresas que podem ocorrer durante o período da obra, como a mudança de local de descarte de material”, ele exemplifica, destacando que, se o bota-fora for mudado para um local mais distante, isso vai impactar no tempo de descarte de material e, em consequência, quantidade de caminhões, custo de combustível e manutenção etc. “No cômputo final, gera prejuízo”, pondera o especialista.

Por isso, Correia recomenda que haja sempre um ‘Plano B’, que possa substituir a primeira opção. “Nesse caso, é importante ter outro bota-fora à disposição, na mesma distância e condições do escolhido originalmente”, complementa o especialista, orientando que também sejam observadas as leis ambientais e trabalhistas relacionadas à obra, para evitar surpresas e eventuais paralisações.

Planejamento é essencial em uma atividade que depende muito das condições climáticas


Fonte: Revista M&T – ed. 248 – 10/2020, p. 33-38.