Boletim Técnico nº 02/2021 – 01/07/2021
Construção vê recuo histórico em rodovias
De acordo com a 23ª edição da Pesquisa CNT de Rodovias, as atividades de construção – responsáveis pela ampliação e aperfeiçoamento da malha rodoviária – permaneceram relegadas no que se refere a investimentos, fechando 2018 com uma participação relativa de apenas 14,2% nas intervenções rodoviárias totais – a menor da série histórica.
Como se sabe, o investimento público em rodovias vem em trajetória de queda quase contínua desde 2012, ainda antes da recessão econômica no país. De acordo com pesquisa, a redução dos aportes federais em rodovias em relação ao PIB foi maior e mais prolongada que a própria recessão, entre 2014 e 2016. “A redução do investimento público foi um fator importante entre os determinantes da recessão e da crise econômica em que o país se encontra até hoje”, deduz o trabalho.
No contexto mais agudo da recessão, é bom lembrar, o governo focou aportes em ações de manutenção e recuperação das rodovias, que geram resultados mais imediatos a partir de menor investimento. De acordo com a pesquisa, essas ações subiram para 64,3% do investimento federal em rodovias em 2016, bem acima dos 47,4% em 2013.
Como contrapartida, as ações de adequação e construção da malha rodoviária perderam participação entre as intervenções totais. “Somente a partir de 2017, período em que o PIB passou a crescer na faixa de 1%, as ações de adequação rodoviária recuperaram parte de sua participação relativa nas intervenções, saindo de 20,6% em 2016 para 29,6% em 2018”, constata a pesquisa.
Para superar esse quadro de estagnação e superar os problemas detectados nas rodovias brasileiras, a CNT estima que são necessários aportes de R$ 38,6 bilhões. Apenas para reconstrução e restauração das vias, a projeção é de R$ 38,6 bilhões em investimentos.
Já para manutenção dos trechos classificados como ‘desgastados’, o custo estimado é de R$ 15,8 bilhões. “Esse esforço exige o engajamento do setor público, de investidores e transportadores na definição de um plano de ação”, recomenda o relatório, cujos principais resultados a Revista Grandes Construções traz nesta edição especial, junto a uma entrevista exclusiva com o superintendente de Concessões de Infraestrutura da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Renan Brandão, e a mais um levantamento de concessões rodoviárias em andamento no país, como já é tradição da publicação. Boa leitura.
URGÊNCIA NAS ESTRADAS
Com malha viária estagnada e frota de veículos dobrando nos últimos anos, país vê necessidade de obras se tornar mais aguda em uma infraestrutura vital ao seu desenvolvimento
Com extensão continental, o Brasil depende – e muito – das rodovias. Atualmente, o modal rodoviário é o que possui a maior participação na matriz de transporte, concentrando cerca de 61% da movimentação de mercadorias e 95% da de passageiros.
Apesar de sua importância, o país se vê na urgência de ampliar e otimizar os recursos destinados ao setor. Indicadores deixam isso claro. Com 141 países, o ranking de competitividade global do Fórum Econômico Mundial (WEF) aponta o Brasil na 93ª posição com relação à qualidade da infraestrutura rodoviária, atrás até mesmo de outros países da América Latina. O setor também é marcado pela baixa densidade da malha (25,1 km de rodovias pavimentadas por 1.000 km² de extensão territorial) e baixa competitividade.
Para completar, dados do Sistema Nacional de Viação (SNV) mostram que atualmente apenas 213.453 km de rodovias são pavimentadas, o que corresponde a irrisórios 12,4% da extensão total (1.720.700 km). Considerando apenas as rodovias federais, houve um crescimento de apenas 6,7% da extensão pavimentada desde 2009 [cf. gráfico]. É muito pouco, tendo em vista que a malha não pavimentada representa 78,5% (1.349.938 km) do total. “Além de uma maior disponibilidade e melhor distribuição de rodovias pavimentadas no país, é necessário que o ativo seja mantido em bom estado de conservação”, adverte a Confederação Nacional do Transporte (CNT) na apresentação da 23ª edição da Pesquisa CNT de Rodovias, desenvolvida em parceria com o Serviço Social do Transporte (SEST) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT).
Isso indica que, além de insuficiente, a malha vem se deteriorando. Após um período de relativa estabilidade na condição das rodovias – com alguns avanços, como em sinalização –, em 2019 houve uma ‘piora efetiva’ dos resultados em todas as características: pavimento, sinalização e geometria da via. Segundo o Modelo CNT de classificação, 59% (64.198 km) do total avaliado já apresentam condições inadequadas.
Esse é o tamanho da urgência. A pesquisa abrangeu 108.863 km (67.106 km de federais públicas e concedidas e 41.757 km de estaduais) de rodovias pavimentadas, em uma extensão que contempla trechos estratégicos para a movimentação de cargas e passageiros. A avaliação incluiu 22.079 km (20,3%) de rodovias concedidas e 86.784 km (79,7%) de rodovias sob gestão pública. Considerando as rodovias sob gestão pública, 58.616 km (67,5%) avaliados têm problemas, avaliados como regular, ruim ou péssimo no estado geral. Nas rodovias sob gestão concedida, esse percentual é bem menor, de 25,3% (5.582 km). “A crise fiscal aciona o sinal de alerta em relação à capacidade de o país manter e expandir a malha”, diz o relatório, que teve coordenação de Raul Viana, diretor de comunicação institucional da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias). “Nesse quadro, a priorização do setor nas políticas públicas e uma maior eficiência na gestão são imprescindíveis. ”
INDICADORES
Da extensão avaliada pela Pesquisa CNT, 64.198 km (59%) apresentam algum tipo de problema no estado geral de conservação, enquanto 37.628 km são classificados apenas como regulares e quase 30 mil km como ruins ou péssimos.
Para a avaliação, também foi feita uma análise conjunta das características de sinalização e geometria da via. Em relação à sinalização, o percentual de regulares ou ruins foi de 48,1%, enquanto na geometria da via, esse índice chegou a 76,3%. Dessa forma, 59% das rodovias pesquisadas no país foram consideradas inadequadas, segundo o modelo adotado. O estado geral é considerado regular em 34,6% da extensão, ruim em 17,5% e péssimo em 6,9%.
O perfil predominante nas rodovias avaliadas é ondulado ou montanhoso, topografia presente em 69.617 km (63,9%). Nesses trechos, é comum que veículos pesados trafeguem em baixa velocidade, principalmente em subidas. Mas a maioria da malha ainda é de pista simples, em um total de 93.412 km – ou 85,8% do total. As pistas duplas, com canteiro central, barreira ou faixa, representam 14,2% (15.451 km).
Além de orientar, a sinalização é um item importante de regulamentação e advertência para os usuários. Não obstante, na avaliação realizada em 2019 uma extensão de 52.417 km (48,1% do total) apresentou problemas nesta característica, que foi considerada regular em 26,1% (28.460 km), ruim em 11,6% (12.677 km) e péssima em 10,4% (11.280 km).
Com o aumento do fluxo de veículos, também se verificou que 76,3% (83.031 km) apresentam algum tipo de problema na geometria, incluindo pontos sem acostamento, curvas perigosas sem defensas e falta de sinalização de advertência. Em relação ao pavimento – altamente relevante para a eficiência energética veicular –, 52,4% das rodovias apresentaram problemas e em 75% da extensão há sinais de desgaste, trincas, remendos, afundamentos, ondulações ou buracos.
Desse modo, apenas 24,1% (26.203 km) da superfície encontram-se em perfeito estado de conservação. “Estima-se que o péssimo estado do pavimento possa dobrar o custo operacional do transporte rodoviário de cargas, uma vez que o adicional pode chegar a até 91,5%”, relata o documento. “Assim, calcula-se que o país gaste, em média, 28,5% a mais do que deveria para transportar seus insumos, bens de produção e bens de consumo por rodovias, em razão unicamente de problemas no pavimento. ”
Esse impacto se distribui de forma desigual entre as regiões. De acordo com a Pesquisa CNT, 43% da extensão rodoviária pesquisada na região Sudeste apresentaram pavimento regular, ruim ou péssimo. No Norte, esse percentual foi de 70,3%, no Centro-Oeste de 57%, no Sul de 52% e no Nordeste de 51,5%. Assim, calcula-se que o transporte no Sudeste gaste, em média, 23,5% a mais em razão de problemas no pavimento, enquanto no Nordeste o índice vai a 27,3%, no Sul a 28,6%, no Centro-Oeste a 31% e no Norte a 38,5%.
CONDIÇÕES
O acostamento, outro elemento essencial, não existe em 45,5% da extensão avaliada. Onde existe, 6.017 km (10,1%) encontram-se em más condições, enquanto 822 km (1,4%) estão totalmente destruídos nesse item de segurança. Também há problemas de manutenção, pois a faixa central não foi identificada em 7.212 km (6,6%), enquanto o desgaste dessa sinalização predomina em 28.165 km (25,9%). Com 69.617 km de perfil ondulado ou montanhoso, identificou-se a presença de faixa adicional em 14.626 km (21%), ao passo que 54.991 km (79%) não contam com essa faixa.
Em 56.901 km avaliados foram identificadas obras de arte especiais (OAE). Desse total, em 11,8% (6.726 km) não há acostamento ou defensas completas na estrutura. Na maior parte – 63,5% (36.132 km) –, um dos dispositivos está ausente. As pontes e viadutos possuem acostamento e defensas completas apenas em 24,7% (14.043 km) da extensão.
Na extensão pesquisada, as curvas perigosas estão presentes em 28.639 km (26,3%), sendo que em 41,7% (11.925 km) não há placas de advertência ou dispositivos de proteção como barreiras e defensas completas.
Em 40,8% delas falta um desses dispositivos, presentes em apenas 17,5% do total (5.025 km). “A falta de investimentos implica piores condições das rodovias, o que, combinada ao crescente volume de tráfego, também favorece o aumento de acidentes, com impactos preocupantes para a sociedade e o poder público”, pontua o texto.
Os resultados da Pesquisa CNT, aliás, deixam claro que um dos fatores que mais contribui para o processo de degradação é o elevado fluxo de veículos, assim como a sobrecarga em pesados. Entre 2009 e 2019, houve aumento de 80,8% da frota no país, com maior concentração nas regiões Norte e Nordeste, onde a disponibilidade de rodovias é menor. E mais de 60% dos veículos foram fabricados de 2005 em diante, indicando um aumento acentuado da demanda sobre a infraestrutura nos últimos anos.
INVESTIMENTOS
Também há a questão da concentração da malha. O estudo indica ainda que 31,2% da malha federal pavimentada estão concentrados na região Nordeste, seguida pelas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. A região Norte figura em último, com apenas 9.708 km, ou 14,9% da extensão total.
Mas quando se analisa a densidade da malha em cada região o cenário muda. Nesse caso, o Sul passa a ter a maior extensão rodoviária federal pavimentada em relação à área territorial, seguido por Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. O Norte continua na última posição, com reduzida extensão pavimentada e território amplo. “Uma densidade mais elevada representa maior disponibilidade da infraestrutura e melhor integração do território”, ressaltam os pesquisadores. “Dessa forma, fica nítida a distribuição desigual dessa infraestrutura no país, o que pode ter impactos negativos nos potenciais de desenvolvimento regionais. ”
Para superar essas distorções, o Plano CNT de Transporte e Logística 2018 estima que seja necessário um investimento de R$ 496,1 bilhões em 981 projetos, incluindo construção, pavimentação, duplicação, recuperação e demais adequações das vias. Considerando a baixa capacidade de investimento público, os governos estaduais e federal têm apostado na transferência da operação, manutenção e adequação das rodovias para o setor privado, por meio de concessões. De 2016 a 2018, o investimento privado por quilômetro foi quase três vezes maior do que o investimento público federal, ano a ano.
Em geral, a pesquisa anual mostra que os trechos concedidos têm apresentado melhores resultados, o que indica a efetividade de se investir na manutenção e adequação da capacidade das vias. Em 2019, 74,7% da extensão concedida foi classificada como ótimo ou bom no estado geral. Na característica de pavimento, 77,2% tiveram essa classificação, enquanto, na sinalização, esse percentual foi de 84,1%. O pior resultado foi percebido na geometria da via, que teve apenas 39,1% da extensão avaliada como adequada.
A majoração de custos também se diferencia de acordo com o tipo de gestão das rodovias brasileiras, ressalta o estudo. “Nas rodovias sob administração do setor público, o custo adicional ocasionado por problemas no pavimento é de 32,6% em média, enquanto, nas rodovias concedidas, essa média é de 12,1%”, aponta.
ESTRATÉGIA
Por tudo isso, a estratégia é estruturar um amplo programa de concessões, de modo a aumentar a participação da iniciativa privada na oferta dos serviços de infraestrutura rodoviária. De fato, os investimentos privados registraram um grande salto de 2007 a 2013. Descontada a inflação, o montante investido pelas concessionárias obteve crescimento acima de 250%.
Todavia, a CNT ressalva “a necessidade de uma revisão do modelo de concessões com incremento de rigor técnico de modo a garantir a viabilidade financeira e a exequibilidade dos contratos, sem comprometer a qualidade da rodovia”. Para a entidade, os dados corroboram os benefícios da participação privada no setor, mas também alertam para os “riscos inerentes à insegurança jurídica e falhas na qualidade dos estudos de demanda e viabilidade técnico-econômica utilizados nos processos licitatórios”.
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) ainda está elaborando a norma definitiva que regulamentará a caducidade de concessões [leia entrevista nesta edição]. “Ou seja, o contexto ainda é de incerteza regulatória quanto aos termos de rescisão e relicitação dos contratos, somada à falta de perspectiva dos atuais concessionários quanto à possibilidade de reprogramar os seus investimentos, o que justifica a continuidade da tendência de queda dos investimentos privados em rodovias em 2019”, destaca o documento.
Há ainda de se considerar que, mesmo que a gestão privada avance nas rodovias no país, a participação do Estado continuará a ser fundamental para promover a integração da matriz rodoviária. De acordo com o SNV, em 2019 a extensão rodoviária pavimentada e não pavimentada sob administração do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) somou 66.557 km, ou seja, mais que o triplo da extensão concessionada de rodovias federais e estaduais. “Ainda que o Ministério da Infraestrutura realize todas as concessões rodoviárias previstas na carteira de projetos do governo federal, o setor público ainda terá uma malha extensa de rodovias para gerir”, avalia a pesquisa. “Isso significa que o investimento público federal ainda tem um papel importante a cumprir, seja na manutenção e adequação das rodovias pavimentadas, seja na implantação e pavimentação das rodovias não pavimentadas e planejadas. ”
PROPOSTAS
Dentre as propostas da CNT para dinamizar o setor estão a ampliação do programa de investimentos, a reformulação da modelagem das concessões (para evitar um descolamento excessivo entre os parâmetros de viabilidade econômica e o cronograma de investimentos previsto em contrato) e uma maior celeridade nas intervenções de manutenção e adequação de capacidade, respeitando os limites da viabilidade financeira dos projetos.
Também propõe novas concessões sem pagamento de outorgas, adotando o critério de menor tarifa de pedágio, rigor técnico no processo licitatório, estudos de demanda bem-elaborados e definição clara da matriz de compartilhamento de riscos, além de análises robustas de viabilidade econômico-financeira dos projetos. “No caso de outorga, é imprescindível que os recursos sejam vinculados ao investimento em rodovias”, prossegue.
Para a entidade, o processo de recuperação econômica do país está relacionado diretamente à retomada do investimento em infraestrutura de transporte e à redução dos custos produtivos adicionais dos transportadores, advindos das deficiências nas rodovias brasileiras. “Nesse sentido, entende-se que deve ser facilitada a participação da iniciativa privada, seja nacional ou estrangeira, por meio da adoção de mecanismos que confiram maior credibilidade aos contratos firmados, bem como maior estabilidade de regras para uma adequada avaliação de risco por parte dos investidores”, conclui a pesquisa.
Fonte: Revista Grandes Construções – Edição 95 – 12/2020