17/02/2023

Humanizadas: a startup criada na USP que desenvolve um rating ESG brasileiro

Em entrevista à EXAME, Pedro Paro, CEO da empresa, explica como funciona a análise baseada em cultura, que promete jogar luz sobre pontos cegos do ESG

“Será que existem empresas mais éticas, humanas, conscientes e mais responsáveis operando aqui no Brasil? Se sim, quem são as empresas?”, foi o que Pedro Paro se questionou ao fazer mestrado em Transformação Organizacional na Universidade de São Paulo (USP). Mal sabia ele que ali, com aquela pergunta, nascia o projeto Humanizadas, uma empresa de inteligência e análise de dados que também conta com um rating – uma avaliação – onde são listados os negócios com melhores práticas de ética e sustentabilidade.

Segundo Paro, a inspiração do projeto foi o Movimento Capitalismo Consciente, fundado pelo professor e pesquisador Raj Sisodia, da Babson College, localizado em Massachusetts, nos EUA. O professor traz o conceito global da Nova Economia, que afirma ser possível equilibrar o aumento de faturamento com o bem social e ambiental.

De 2017 a 2019, a Humanizadas atuou como um grupo de pesquisa da USP na área de gestão de mudanças e inovação, quando o termo ESG ainda não era tão difundido. Mas foi em 2020 que grandes empresas no Brasil começaram a entrar em contato com o grupo para serem avaliadas e, assim, a Humanizadas se transformou em uma empresa de inteligência de dados.

“O grande objetivo da Humanizadas, que eu carrego e que vem do meu mestrado, é esse olhar para a transformação cultural nas organizações nos últimos três anos”, afirma o CEO e fundador da startup.

A empresa, segundo o fundador, já atendeu mais de 500 clientes nacionais, como Magazine Luiza e Natura, e cerca de 250 companhias internacionais, como Disney, Starbucks e Whole Foods. “O que notamos, que é o grande aprendizado que temos nesta trajetória, é o quanto fatores e conceitos como liderança e cultura fazem a diferença na pauta de ESG”, comenta Paro.

Níveis de consciência das empresas

O objetivo do rating é romper com a lógica de ranqueamento que é feita hoje em dia e propor uma visão e jornada evolutiva de análise contínua e de desenvolvimento de consciência, visto que as empresas brasileiras têm diferentes níveis de maturidade sobre questões como responsabilidade ambiental, diversidade e importância da governança.

“Os ratings viabilizam a mensuração e o monitoramento de como uma empresas está evoluindo ao longo do tempo e, em uma larga escala, permitem mensurar e acompanhar como o ambiente de negócios no Brasil está evoluindo”, explica Paro.

São 11 níveis de classificação que vão do E, nota mais baixa, ao AAA, nota mais alta. Segundo o CEO, empresas que operam nos níveis E, D e C, ou seja, empresas menos maduras, têm menor qualidade nas relações com os stakeholders – que são clientes, fornecedores, funcionários, investidores e a sociedade em geral – e maiores probabilidades de crimes ambientais, emissões de gases do efeito estufa, de práticas análogas à escravidão, burnout e estresse.

Já organizações de classificação mais elevadas, de BBB para cima, são as empresas, segundo o fundador, recomendadas pela Humanizadas, pois têm maior probabilidade de impacto positivo na vida das pessoas, com maior número de mulheres na liderança, menos riscos ambientais, maiores índices de bem-estar e diversidade, segurança psicológica e culturas mais saudáveis às pessoas e ao próprio negócio.

Utilização de inteligência de dados

A Humanizadas avalia empresas de pequeno, médio e grande portes, seja de capital aberto ou fechado, de diferentes áreas de atuação como varejo, tecnologia, consultoria, financeiro, indústrias, fazendas e até escolas.

A primeira etapa da classificação é um diagnóstico sobre a visão dos públicos interno e externo. Esta etapa é seguida de uma avaliação de relatórios e das práticas ESG da empresa avaliada. Depois, uma auditoria dos últimos 10 anos da organização é realizada para identificar os impactos positivos e negativos daquele negócio para a sociedade e o meio ambiente. Ao todo, o diagnóstico leva um mês para ser concluído, segundo o CEO. A partir dele, os resultados são apresentados para a empresa avaliada para apoiar a tomada de decisões mais conscientes por parte das organizações.

“Temos uma tecnologia de avaliação de múltiplos stakeholders com algoritmos e cálculos complexos. Essa plataforma faz o diagnóstico e avalia a complexidade que está presente nos negócios. Trabalhando com dados quantitativos e análise semântica avançada para identificar a real necessidade de cada empresa, mapeamos o que o colaborador, o cliente, o parceiro estão falando sobre a empresa. É uma enorme riqueza de dados”, explica Paro.

Apoio na tomada de decisão dos gestores

Outro ponto ressaltado pelo fundador é a importância da ferramenta para a tomada de decisão dos executivos, gestores e funcionários em cargos de liderança. “Vemos o quanto os dados contribuem e apoiam a tomada de decisão dos gestores nas organizações”, pontua Paro.

Segundo o fundador, para obter melhores resultados é preciso que a empresa tenha bons processos e práticas. Mas, muitos gestores não se atentam ao fato de que quem sustenta as práticas são as pessoas, é a cultura empresarial.

“Se as empresas não desenvolverem uma liderança e uma cultura orientada a ESG, elas não conseguem ter processos e práticas e, por isso, não vão sustentar bons resultados. Neste ponto, ocorrem os casos de greenwashing, diversity washing e tantos outros ‘washings’ que vemos no mercado”, observa Paro.

Empresas que têm culturas mais saudáveis e conscientes vão, consequentemente, ter lideranças mais orientadas para parâmetros de justiça ambiental, diversidade, inclusão e governança, por exemplo, e assim, essas empresas se aproximam de melhores resultados no médio e longo prazo.

“São raros os exemplos de empresas que olham para os comportamentos da liderança e da cultura, ou seja, onde tentamos colocar luz na Humanizadas é justamente neste grande ponto cego que existe nas avaliações de sustentabilidade e ESG. Em outras palavras, nossa missão é olhar para as pessoas e para a formação de uma liderança e de cultura mais consciente. E que de fato consiga criar um ambiente mais diverso e inclusivo, capaz de sustentar as polaridades entre lucro e propósito e que consiga equilibrar o bem-estar das pessoas e do meio ambiente”, comenta Paro.

O fundador comenta que, na sua opinião, o Brasil caminha para uma possibilidade onde exista mais regulações sobre o ESG – tanto na pesquisa, quanto na execução. E ele ressalta a importância de desmistificar o ESG.

“Muitas vezes, as empresas acreditam que ESG é apenas uma preocupação das grandes marcas e companhias onde praticar o ESG demanda grandes investimentos. Uma empresa ter boas práticas e bons processos ambientais e de liderança não necessariamente exige grandes investimentos, mas exige que ela repense comportamentos, o modelo de negócio, gestão, produtos e serviços, criando novas possibilidades para a inovação”, conclui Paro.

Fonte: exame.com