Inclusão profissional nº 06/2020 – 06/02/2020
Para atleta surda do Palmeiras, jogar de cabeça erguida é necessidade
A capacidade de jogar futebol de cabeça erguida, com uma ampla visão de tudo o que está acontecendo durante a partida, costuma ser um diferencial que poucos atletas possuem. Para Stefany Krebs, 21, desenvolver essa habilidade foi questão de sobrevivência no esporte.
Contratada pelo Palmeiras no início deste ano, a meia-atacante é surda. O fato não a impediu de se tornar uma jogadora profissional e ainda a ajudou a estimular os demais sentidos, sobretudo a visão.
“Como eu não ouço, não posso andar de cabeça baixa, sem prestar atenção em tudo ao redor de mim”, diz Stefany à Folha. As palavras dela foram traduzidas à reportagem por sua mãe, Roseli Benati, 50.
“[Durante um jogo], não daria para levantar a cabeça, olhar, tentar entender o momento e depois jogar. Eu tenho de ser rápida. Jogar de cabeça erguida me ajuda muito.”
No decorrer dos jogos, a sua comunicação com as demais jogadoras do time alviverde é feita por sinais. Apesar de ter chegado no clube há pouco tempo, já há vários gestos combinados entre as atletas.
Com a arbitragem, Tefy, como gosta de ser chamada, recorre às expressões faciais, além dos gestos. “Quando preciso reclamar com o juiz, eu gesticulo, fico brava, mostro com a minha expressão indignada.”
No dia a dia dentro do Palmeiras, a adaptação tem sido ainda mais fácil. A meia-atacante ensina Libras, a língua brasileira de sinais, às colegas. “Percebo um grande interesse das meninas em aprender os sinais. Nos primeiros dias no clube, elas já aprenderam vários”, conta.
Nas atividades teóricas, como exibição de vídeos, ela tem a ajuda da tradução feita por dois profissionais do Palmeiras que falam libras, o preparador físico William Bitencourt e a analista de desempenho Vanessa Silva. Ambos também trabalham na seleção brasileira de futsal de surdos, onde Tefy ganhou projeção.
A gaúcha, de Erechim começou sua trajetória no futsal aos seis anos, incentivada pelo irmão Jean, hoje com 26 anos. Ele também é surdo e ajudou a irmã a se adaptar nas quadras. “No futsal, os espaços são muito curtos. Então, tudo era muito rápido”, diz.
Com 15 anos, Stefany já era figura constante nas convocações da seleção brasileira de futsal de surdos. Aos 17, foi eleita a melhor jogadora do Mundial de 2015, na Tailândia, quando o Brasil foi vice-campeão.
A desenvoltura dela dentro de quadra era resultado da confiança que adquiriu desde cedo. Ela gosta de citar o conselho que ouviu de várias pessoas, incluindo seus primeiros técnicos: “O seu futebol é maravilhoso, então a gente vai se adaptar”.
Enquanto trilhava carreira vitoriosa no futsal, Stefany alimentava o desejo de atuar no campo. A primeira experiência veio em 2016, quando ela defendeu o Pelotas no Campeonato Gaúcho. Depois, teve rápida passagem pelo Internacional num período de treinamentos.
Sem conseguir ser efetivada, voltou ao futsal. Com a seleção brasileira, foi campeã mundial em 2019. A atuação dela na competição chamou a atenção do Palmeiras e reabriu as portas no campo.
“Eu dou parabéns ao Palmeiras, que aceitou esse desafio comigo. O clube se desafiou ao me chamar para mostrar que as dificuldades ou as diferenças que a gente pode ter não são empecilho nenhum”, afirma.
Stefany vive agora outra ansiedade. No domingo (9), ela espera fazer seu primeiro jogo pelo time alviverde, e justamente em um clássico, contra o Corinthians, na abertura do Campeonato Brasileiro.
Neste jogo, ela ainda reencontrará uma velha amiga, Andressinha, meia do Corinthians. “Eu nunca sonhei que um dia eu estaria jogando contra o time em que ela está jogando. Estou muito ansiosa.”
Fonte: Folha de São Paulo