Sinimail nº 28 – 08/11/2024

A infraestrutura é por essência multidisciplinar

Há algumas décadas, houve um protagonismo do Estado de São Paulo, na área de concessões públicas, antes mesmo de dispositivos legais federais, e capitaneado pelo então governador Mário Covas, com a concessão do sistema rodoviário da Anhanguera- Bandeirantes, em um momento em que que as configurações das concessões eram diferentes de hoje, mas que, entretanto, instituiu um modelo que foi replicado quase em todo o país.

Na época, estudos desenvolvidos por juristas como Celso Antônio Bandeira de Mello e Carlos Ari Sundfeld foram importantes para, entre outros fatores, a criação das agências reguladoras e o instituto das concessões.

Para Paulo Dantas, advogado especialista em Direito Administrativo do escritório Castro Barros Advogados, a discussão sobre o sistema de concessão ser ou não ser uma opção para o setor da infraestrutura já foi ultrapassada. Os embates ideológicos, até mesmo doutrinários do passado, hoje não mais existem.

Em palestra realizada no SINICESP, durante a Reunião Ordinária da Diretoria-Executiva, realizada no dia 5 de novembro, Dantas afirmou que as concessões acabaram tomando um relevo muito importante no desenvolvimento da infraestrutura nacional e, passado algum tempo do surgimento desse modelo, houve a necessidade da criação de um novo formato.

O passo seguinte, por volta de 2004, foi o surgimento das Parcerias Público-Privadas. Em sua essência, a PPP se apresentou um pouco mais complexa, com quesitos de dívida e de garantias que nem todos os estados, municípios e nem mesmo a União conseguiam preencher.  Mesmo assim, o modelo foi utilizado para projetos em saneamento e iluminação pública. Também houve uma atração no setor rodoviário, por exemplo, no caso da Rodovia dos Tamoios.

Houve uma evolução no conceito das Concessões, e das PPPs em uma trajetória consolidada a Nova Lei de Licitações, que sofreu influências de conceitos originados pela Lei de Concessões como também pela Lei de PPPs.

Para Paulo Dantas, verificou-se um crescimento muito grande no que se define como “infraestrutura social”. Um exemplo pode ser observado na recente concessão da gestão de escolas, promovido pelo governo paulista, visando a melhorar a estrutura de um de setor que por muitos anos recebeu pouco investimento, seja do governo ou do setor privado.

Para atrair o setor privado para essa realidade, as condições ainda precisam ser melhoradas, juntamente com os modelos de contratos e as condições precisam ser claras. Hoje, há uma configuração de mercado bastante diferente do início dos das concessões PPPs no Brasil. Há novos entrantes, com a configuração de consórcios, com a inclusão de alguns atores que não eram comuns no passado, notadamente os fundos de investimento que estão ingressando ao lado de quem sabe fazer, que são as empresas de construção e engenharia.

Nova Lei de Concessões e PPPs

A proposta do novo Marco Legal das Concessões e Parcerias Público-Privadas, PL 7063/2017, de autoria do deputado federal Arnaldo Jardim, condensa, em apenas um texto legal, as regras para todas as formatações de concessões que temos hoje no Brasil, (concessão administrativa, patrocinada e a concessão pura). A proposta ainda aguarda votação no Plenário da Câmara Federal e, segundo Dantas, o momento ainda é importantíssimo para criar as condições para que todas as entidades do setor sejam ouvidas.

Tribunais de Contas

Outro ponto importante, surgido nos últimos anos, é o papel dos tribunais de contas, especialmente o Tribunal de Contas da União – TCU. O contrato de concessão de PPPs é, por natureza, de longo prazo. Já houve uma dificuldade muito grande em entender que os contratos de longo prazo se alteram e devem ser revistos ao longo de seu período de vigência.

Hoje, há várias formas de rediscutir o contrato, por meio de mecanismos alternativos de solução de controvérsias, como mediação, arbitragem e, eventualmente, dispute boards, formados por comitês de especialistas na área do objeto de um determinado contrato, não necessariamente da área jurídica.

Nesse contexto, o TCU assumiu um protagonismo grande, com a criação da Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos – SecexConsenso, para rediscutir os contratos que estejam deficitários. Nesse momento, há a análise por parte do TCU de várias concessões de rodovias.

Agências Reguladoras

As agências reguladoras surgiram no Brasil no âmbito da Reforma Administrativa, nos anos 90. As primeiras a se consolidarem foram a de energia elétrica, Aneel, e a de telecomunicações, a Anatel. O instituto da das agências reguladoras no Brasil evoluiu de forma significativa.

As agências, em tese, possuem uma estrutura permitindo um senso de continuidade, tentando evitar influências políticas. Sabemos que, na realidade, não é bem assim, mas há uma tentativa de continuidade nessas agências e resultados são muito positivos, afirma Dantas.

No Estado de São Paulo há um exemplo muito concreto de agência, a Artesp, que foi a primeira agência estatal que otimiza e melhora a relação do mercado com o poder concedente. Ela evoluiu bastante nos últimos anos, a exemplo do que ocorreu com a ANTT, que tem crescido muito, basta observar os leilões que estão sendo publicados nos últimos anos.

Matriz de Risco

Paulo Dantas lembra que o conceito de matriz de risco, em seu princípio, era apenas um pedaço de papel com a divisão do que ficava com o privado e o que era para o setor público. Um setor tentava atribuir ao outro a maior quantidade de obrigações possíveis e, quando havia um momento de discussão, os riscos não estavam muito bem definidos. Isso gerava uma discussão eterna, com judicialização e sem chegar ao consenso.

Nos últimos anos, houve uma melhoria na matriz de riscos dos contratos de concessão. Esse tema ficou tão importante que ele foi incluído na Nova Lei de Licitações, reforçando a tese de que o diálogo com o mercado é essencial. No momento da concessão do edital o entendimento é fundamental, pois será definido quem tem a capacidade de assumir o risco.

Há riscos que são quase inerentes à administração pública. Podemos observar esse fato muito mais inserido no caso das mudanças climáticas, como a ocorrida no Rio Grande do Sul.

Os atuais contratos dedicam atenção especial à matriz de risco, porque ela vai ser fundamental na discussão do reequilíbrio, avalia Dantas.