Boletim Jurídico nº 09 (18/09/2024)
O cumprimento da cota de PCDs exigida na nova Lei de Licitações
Quase 33 anos após a Lei 8.213/1991 instituir uma política afirmativa de reserva de vagas para pessoas com deficiência e reabilitadas da Previdência Social (PCDs), a Lei 14.133/2021 – nova Lei de Licitações – passou a exigir, em licitações públicas, que empresas com cem ou mais empregados comprovem o cumprimento da cota de PCDs.
Enquanto a Lei 8.666/1993 dava tão somente preferência, como critério de desempate no procedimento licitatório, às empresas que comprovassem o cumprimento da cota, a nova Lei de Licitações incluiu como um requisito de habilitação a apresentação, pelo licitante, de declaração de cumprimento da exigência de reserva de vagas para PCDs.
O contratado deverá, ainda, manter o cumprimento dessa exigência ao longo de toda a execução do contrato e, sempre que solicitado pela Administração Pública, precisará comprovar o cumprimento da reserva de cargos com a indicação dos empregados que preencherem as vagas.
Embora a mudança trazida pela nova Lei de Licitações − obrigatória desde janeiro de 2024 − represente um salutar avanço na promoção da inclusão de PCDs no mercado de trabalho, não se pode ignorar o impacto que ela traz às contratações públicas, em razão dos desafios enfrentados por muitas empresas na atração, contratação e retenção desses profissionais. Apesar de razoavelmente recente no âmbito administrativo, esse é um tema que vem sendo debatido há bastante tempo na Justiça do Trabalho.
Não é raro que o Ministério do Trabalho ou o Ministério Público do Trabalho investiguem o preenchimento da cota de PCDs pelas empresas, o que muitas vezes resulta em autuações pelo MTE ou, no caso do MPT, na instauração de Procedimentos Preparatórios e/ou Inquéritos Civis com a celebração de Termos de Ajuste de Conduta e imposição de multas pelo descumprimento. Em último caso, o MPT chega a propor Ações Civis Públicas com pedidos de indenização por danos morais coletivos e obrigações de fazer.
O que não se deve menosprezar é a real dificuldade que inúmeras empresas enfrentam para conseguir cumprir a reserva de vagas, ainda que empreguem consistentes esforços para tanto. Há obstáculos não só para a atração de candidatos, como, muitas vezes, para a conciliação das condições de saúde das PCDs com as exigências dos cargos envolvidos em determinadas atividades empresariais que podem colocar em risco a higidez física e a segurança do próprio trabalhador e dos demais profissionais.
Assim, não se pode desprezar situações em que há uma contraposição de dois valores fundamentais: a necessidade de inserção de PCDs no mercado de trabalho versus a necessidade de respeito à vida e à segurança dessas mesmas PCDs e dos demais empregados.
Nesse sentido, cada vez mais é aceito na jurisprudência trabalhista o entendimento de que, não obstante a determinação legal, não há como penalizar a empresa quando comprovado que o descumprimento da cota independeu de sua vontade. Isso pode ocorrer quando ficar demonstrado que as atividades empresariais são incompatíveis com a capacidade de trabalho das PCDs ou quando, apesar de terem sido tomadas as medidas necessárias, não for possível encontrar pessoas qualificadas em número suficiente para atender o percentual estabelecido em lei.
Já se tem notícia, inclusive, de recentes julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) afastando a responsabilidade de empresa autuada pelo MTE, por ter comprovado a promoção de ações com o intuito de contratar trabalhadores na forma exigida pela lei, através da celebração de convênios com entidades de colocação de mão de obra e a publicação de anúncios, evidenciando a intenção de alcançar a cota legal.
Além das consequências na esfera trabalhista, o não cumprimento da cota de PCDs, como visto acima, tem agora outros impactos com a mudança introduzida pela Lei 14.133/2021, uma vez que as empresas que não comprovarem o cumprimento da lei na habilitação podem ter sua participação em licitações ameaçada.
Seguindo a tendência observada na Justiça do Trabalho nos últimos anos, o caminho da judicialização parece ser inevitável e, ainda que incipiente, já possui precedentes favoráveis, podendo ser uma alternativa, especialmente nos casos em que as atividades empresariais possam trazer riscos à segurança das próprias PCDs e demais profissionais.
Fonte: Jota